Isso aqui é uma espécie de carta de despedida. Resolvi escrever durante essa quarentena já que criar roteiro, gravar e editar podcast se tornou estressante nas últimas semanas. Nunca insisto em algo que não faço por prazer. Tenham como exemplo o que sempre senti ao fumar tabaco, com quem fui casado por mais de 12 anos. Você nunca fumou? Eu te explico brevemente como é.
Um cigarro de tabaco pode proporcionar uma das mais agradáveis sensações que o nosso organismo pode sentir. É gostoso. Dependendo da movimentação do seu dia, acender um cigarro pode ser uma das melhores sensações do dia. O meu cigarro favorito sempre foi o “cigarro após o almoço”. Ao recordar esses detalhes, tenho a impressão que eu comia pra poder fumar depois. Um verdadeiro escravo do prazer.
Todo fumante é simples em sua rotina: acorda e acende um cigarro, dirige e acende um cigarro, come e acende um cigarro, transa e acende um cigarro. Está sem sono? Levanta e acende um cigarro (ou fuma na cama mesmo). Está feliz? Acende um cigarro. Está triste? Acende um cigarro!
Talvez seja o melhor agente socializador que tive acesso. O simples ato de emprestar o fogo já possibilita um diálogo além do “será que chove hoje?” Não posso negar que fiz grandes amigos graças ao tabaco e entre eles, o Guzzo. Fazemos piada até hoje sobre o cigarro ser um responsável pela nossa amizade.
No início é tudo prazeroso e após os anos passarem, a relação fica desgastada. É tipo… uma roupa nova. Tudo em seu corpo sentirá o efeito. Da cor dos dentes à eficiência dos pulmões. Mas isso aqui não é uma coluna do genial Dr. Auzio Varella e também não pretendo personificar a embalagem “cigarro te deixa brocha, otário!”
A nicotina traz uma sensação de relaxamento que poucas drogas possibilitam ao ser humano. E esse é um grande problema: dar limite a algum prazer. Alguns chamam isso de vício. O neurocirurgião Sidarta Ribeiro denomina de psicoativo e os cristãos de “pecado”. Séculos atrás, os católicos inventaram o ato da “confissão” para o controle dos prazeres da população e Foucault chamaria isso séculos depois de normatização.
Resolvi sintetizar e chamar tudo isso de ocidente (com letra minúscula mesmo, pois aqui não tem nenhuma pedagoga pra encher o meu saco). O Inimigo. Os povos Yanomami chamam os inimigos de Napë e vindo deles, acredito ser uma perfeita definição para o ocidente: NAPË!
Certo dia li que uma das maiores vinganças dos Povos Indígenas ao ocidente era o hábito de fumar tabaco. Não lembro ao certo se esse comentário era de algum babaca xenofóbico ou um texto com humor ácido usando a cultura indígena como exemplo. Poderia ser um babaca xenofóbico que tem humor ácido e usou a cultura indígena como exemplo?
Poderia!masvoufalarbaixinhopraaesquerdacirandeiranãomeouvirenãofazerumahashtagsuperrevoltadaemprotesto
Enfim, prefiro definir o “homem branco” como um suicida e não o índio como um assassino. Segue um exemplo do que seria um genocídio causado por uma droga:
Há alguns anos, os índios Tikuna, no Amazonas, tiveram acesso ao crack e o resultado é o óbvio. A pedra (com o perdão do trocadilho) no caminho daquele povo isolado na mata é a mesma de muitos marginalizados na cidade. O crack é o chorume da produção de cocaína, criada para vender aos que não podem pagar por um pino do pó. A utilização da folha da coca como psicoativo é uma tradição milenar entre os povos indígenas. Ao visitar a Bolívia, o papa Francisco mascou folhas de coca para “aliviar os efeitos da altitude” e eu adoro dar esses exemplos para provocar os puritanos. Seus argumentos não passam de espuma pelo canto da boca e ódio. Vejam o presidente do braziu! É o espelho dessas mentes putrefatas. É ocidente. É Napë.
Os povos nativos tentaram nos ensinar e os matamos com uma bíblia na mão e uma espada em outra. Quem deveria ser o caminho, a verdade e o sinônimo de vida para quem? Vocês sabem. Hoje, onde corpos de nativos foram empilhados e soterrados, vemos gigantescas plantações de soja.
Durante um ritual xamânico entre diversas etnias ameríndias, o tabaco é utilizado com várias técnicas e diferentes formas de torra, como o rapé e o cachimbo. Sua fumaça é destinada para a cura e também para a festa. Na Umbanda, a tradição do tabaco é símbolo de ensinamento com um Preto Velho, sempre utilizado pra limpeza das energias. Para muitos, assim como a cannabis, o tabaco é uma erva mediúnica.
Nas minhas primeiras memórias da infância consigo lembrar da minha avó fumando com as suas amigas enquanto costuravam e faziam fofocas no clube de mães e eu odiava aquele cheiro e aquela fumaça. Durante o meu primeiro ano dando aula, uma aluna me parou no corredor e falou “nossa cara, você tá fedendo cigarro”. Ouvi aquelas palavras como uma facada no peito.
Dizem que parar de fumar é fácil, afinal todo fumante para de fumar várias vezes durante a vida. Não posso negar, pois essa não é a primeira vez que paro.
Durante a minha adolescência era fascinante ver ídolos da música fumando. Quatro jovens esteticamente não privilegiados ao acenderem seus respectivos cigarros se tornavam modelos de beleza. Esses quatro jovens poderiam ser o Pink Floyd ou os Beatles. John Lennon e Yoko Ono acendendo um cigarro enquanto conversavam eram extremamente sedutores.
Eu queria ser como Bob Dylan que tinha seu charme enquanto fumava. Queria escrever como Chico Buarque, o único lindo entre os fumantes que eu idolatrava. A estética dessas cenas conquistou minha curiosidade e como todo adolescente cego ou iludido, comecei pelos famosos cigarros de menta Black. Quando percebi, já era tarde. Ou não! Ainda deu tempo de escrever isso aqui. Foram anos como escravo.
Após a adolescência iludida, me apaixonei, namoramos, casamos e agora nos separamos. Nessa relação com o tabaco, sempre fui o iludido conformado. O corno manso. Enquanto eu amava, ele me matava.
Meu pai nunca foi fumante. Como outras pessoas da família, sempre demonstrou tristeza pelo fato de ter eu, nunca incentivado por ele, um fumante. Quando comentei com ele que eu iria parar de fumar, seus os olhos se encheram de lágrimas. Meu pai chorou. E chorou de alegria com a minha notícia.
Com isso, consigo me provar que tenho motivos maiores e melhores que tentar parecer com John Lennon ou Paul McCartney.